A noite mal havia chegado quando índios da etnia Munduruku atracaram
na ribanceira de um garimpo localizado no Rio das Tropas, afluente do
Rio Tapajós, na região oeste do Pará. Das cinco voadeiras, todas
lotadas, saíram guerreiros, guerreiras e crianças, todos com um
objetivo: expulsar garimpeiros ilegais da terra dos Munduruku.
Logo na entrada do barracão, os indígenas depararam-se com dois dos
12 garimpeiros presentes no local. Pintados para guerra, os Munduruku
foram firmes. “Vocês tem dez minutos para ir embora. Pega as coisas de
vocês, vão embora e não voltem mais. Isso aqui é terra dos Munduruku”,
ordenou Paigomuyatpu, chefe dos guerreiros, enquanto os garimpeiros
arrumavam as mochilas e se preparavam para abandonar a área.
Segundo os trabalhadores presentes no garimpo, os quatro pares de
dragas, modelos MWM de 3 e 4 cilindros, utilizados para extração de
ouro, pertencem a Alexandre Martins.
Conhecido como “Tubaína”, Martins também é dono de pelo menos mais
dois garimpos na região, e deixara o local três dias antes da operação,
exatamente quando os Munduruku iniciaram a vistoria na bacia do Tapajós.
“Ele [Tubaína] disse que ia lá pro outro barraco dele. Ele não tá lá,
não tá aqui. Ninguém sabe”, afirmou Mara Almeida, que cozinhava nos
barracos para os garimpeiros de Tubaína. A ação se deu após inúmeras
denúncias protocoladas em órgãos governamentais. Ozimar Dace, Munduruku
membro do movimento e relator da operação, contou que os indígenas já
haviam tentado retirar os pariwat (não indígenas) do território por meio
do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional do
Índio (Funai).
"A gente decidiu que essas autoridades nunca ia dar resultado pra
gente. Eles nunca iam fazer isso pra gente poder viver sossegado. Eles
davam o prazo de que eles iam dar resultado, mas isso nunca saiu. Então,
por esses motivos, a gente decidiu resolver por conta própria”.
A exploração ilegal de garimpo dentro da terra indígena Munduruku é
antiga. Relatos remontam o início dessas atividades à década 1980. Uma
história de ameaças, acordos com um pequeno grupo de lideranças e
exploração da mão de obra indígena tecem uma teia que não beneficia a
maioria do povo.
Segundo as comunidades locais, os garimpeiros têm causado vários
problemas nas terras indígenas devido à exploração descontrolada.
Poluição do rio, falta de peixes, desentendimentos e ameaças são os
principais motivos apontados como estopim. Por essas razões, os
indígenas estariam “tirando garimpeiros e tomando os seus maquinários”,
explica Paigomuyatpu, chefe dos guerreiros Munduruku.
“Os garimpeiros já fizeram prejuízos demais no nosso território.
Estamos evitando problemas, doenças e muitas coisas que estão
acontecendo. A gente tá evitando isso aí pra nossa futura geração”,
acrescentou.
A fiscalização começou no dia 15 de janeiro, durou quase vinte dias, e
passou por vários afluentes da bacia do rio Tapajós, como Rio das
Tropas, Kaburuá, Kadiriri e Kabitutu. No total, os Munduruku confiscaram
doze dragas, que ficarão paradas por um mês nas aldeias, quando os
indígenas decidirão o que fazer.
“Em relação aos garimpos, vai ficar parado. Depois vai passar um mês e
a gente vai decidir o que vai fazer com o maquinário: se fazemos
projetos para beneficiar a comunidade nas áreas onde já estão as
máquinas. Mas nós precisamos de projetos alternativos de geração de
renda para a comunidade, como criação de peixe, produção de farinha,
extração de castanha, copaíba e mel. Precisamos do apoio da Funai”,
afirmou Paigomuyatpu.
Pressionada pelos Munduruku, a Funai apoiou a ação autônoma dos
indígenas, financiando o combustível para as embarcações. “Foi uma
demanda deles, veio de uma pressão. Eles queriam de qualquer forma que
isso acontecesse. A gente acha que tendo uma iniciativa que parta deles é
até melhor, para que eles se entendam com os parentes e decidir que não
vão mais permitir a entrada de garimpeiros”, comentou Juliana Araújo,
da coordenação da Funai de Itaituba.
De acordo com Juliana, desde quando chegou à região, em 2010, a Funai
recebe denúncias dos munduruku sobre o garimpo ilegal na terra
indígena. Em outubro do ano passado as denúncias foram reiteradas e
encaminhadas para o ICMBio e Polícia Federal. Em 2012, uma operação na
região teve efeito provisório porque depois houve o retorno dos
garimpeiros. Por causa disso, foi sugerido à Funai trabalhar a
conscientização dentro do plano de gestão.
O clima é tenso na região. Comunicando-se através de rádios, as
lideranças descobriram que estão sendo perseguidas. Há uma lista com
pelo menos cinco nomes de líderes indígenas marcados para morrer. O
autor das ameaças seria Tubaína. Segundo um guerreiro Munduruku, ele
comanda um grupo de pistoleiros com armas automáticas 765.
“Tubaína é temido na região e anda com rifle na mão direto dentro da
aldeia, ninguém fala nada. Eu falei: ó, dentro da terra indígena,
somente a Polícia Federal e a Funai e se for autorizado ainda pra andar
armado”, relatou Valmar Kaba. Além das lideranças, Tubaína também teria
ameaçado o cacique da aldeia Posto de Vigilância (PV), Oswaldo Waro, e
seu filho, João Waro. No último dia 19, os dois fecharam a pista de
pouso da aldeia com galhos, paus e pedras para evitar que o garimpeiro
retirasse as máquinas apreendidas.
“O Tubaína passou o rádio pro cacique e disse que quando o Oswaldo
fosse pro trabalho dele, lá no Bananal, o Tubaina ia pegar ele e o filho
dele”, contou a indígena Leuza Kaba. Um dos trabalhadores expulsos
pelos Munduruku, conhecido como Baixinho, informou que os garimpeiros de
Humaitá e do km 180 da Transamazônica estariam planejando ir ao Tapajós
para “se acertar” com os indígenas.
CARTA
Em carta, os indígenas dizem que não temem as ameaças de morte e que continuarão lutando por seus direitos.
“Carta VI – Carta do Movimento Munduruku Iperêg Ayû
Nós, caciques, lideranças e os guerreiros (as), viemos através desta
cumprimentar os senhores e as senhoras. Aqueles e as aquelas que apoiam o
nosso Movimento Munduruku Iperêg Ayû.
Nós, guerreiros (as), fizemos a nossa fiscalização do nosso
território. Tiramos e expulsamos os garimpeiros invasores do nosso
território e apreendemos os seus maquinários. Agora eles estão;nos
ameaçando de morte, mas nós não nos intimidamos.
Esse é o primeiro passo. Vamos defender até o fim o nosso território,
nosso rio, a nossa floresta, nossas riquezas e nosso povo. Essa é a
nossa palavra. Finalizamos esta carta com muita paz e amizade. Sawe!
Sawe! Sawe! Atenciosamente, Movimento Munduruku Aperêg Ayû. Aldeia
Caroçal, Rio das Tropas, no Município de Jacareacanga, Oeste do Pará”.
Postado por Francisco Portela e Edil Aranha
(Fonte: Portal Terra)
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